Até o momento, estudos das fases pré-clĂnica da vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca não impediram a replicação viral do Sars-CoV-2 em macacos rhesus, apenas a manifestação da doença pulmonar.
Em relação à Sinovac, ainda não se divulgaram dados a respeito da prevenção da infecção, apenas de produção de anticorpos por parte dos indivĂduos imunizados nas fases 1 e 2 de ensaios clĂnicos.
"Quando hĂĄ o anĂșncio de 98% de eficiĂȘncia [como afirmou Doria sobre a CoronaVac] assume-se que a vacina garante uma proteção de 98%. Mas isso não tem absolutamente nada a ver com proteção. EficiĂȘncia de uma vacina nesta fase significa soroconversão, ou seja, induzir à produção de anticorpos. A eficĂĄcia de uma vacina só é observada após os resultados completos da fase 3."
Segundo a Organização Mundial da SaĂșde, para garantir proteção à população, uma vacina contra a Covid-19 deve ter uma eficĂĄcia mĂnima de 50%, com não menos que 30% em seu limite inferior.
A eficĂĄcia de uma vacina também não é igual em todas as populações. Diferenças genéticas entre etnias e populações parecem influenciar respostas imunes distintas, explica Renato Astray, farmacĂȘutico e pesquisador em virologia no Laboratório Multipropósitos do Instituto Butantan.
"No Brasil temos a vantagem de ser um povo com muita miscigenação, então pode ser que essas diferenças sejam menores. Mas eu acredito que a resposta dos povos indĂgenas à vacinação terĂĄ uma diferença em relação às outras etnias."
O epidemiologista e autoridade em saĂșde pĂșblica em Hong Kong Gabriel Leung publicou recentemente uma carta na revista cientĂfica The Lancet, uma das mais prestigiadas da ĂĄrea, em que faz um alerta àqueles que aguardam um "retorno à normalidade" após uma vacina da Covid-19 se mostrar eficaz.
Ele cita que os camelos infectados com o vĂrus da Mers, um coronavĂrus relacionado ao Sars-CoV-2, embora apresentem taxa elevada de soroconversão (acima de 90%), não são imunes à reinfecção. Casos de reinfecção de Covid-19 também foram reportados recentemente, mesmo com uma aparente produção de anticorpos após o primeiro contĂĄgio.
Para Leung, exceto pela vacina da empresa norte-americana Novavax, nenhuma das outras vacinas atualmente na terceira fase de ensaios clĂnicos parece prover imunidade esterilizante, isto é, proteção total da infecção propriamente dita, apesar de reduzirem a severidade da doença.
Em relação à promessa de uma vacinação em dezembro, Garrett menciona um compromisso assumido pelas empresas farmacĂȘuticas envolvidas com a produção de vacinas nos EUA de priorizarem a ciĂȘncia e não solicitarem o uso emergencial das suas vacinas antes de completada a fase 3.
Ela vĂȘ com preocupação a pressão de polĂticos para uma imunização sem garantia da eficĂĄcia e segurança da vacina. "O problema é que, com essa tendĂȘncia de aprovação de uso emergencial, porque todos estão com pressa, não hĂĄ como determinar com o rigor cientĂfico necessĂĄrio a eficĂĄcia e segurança da vacina."
A médica afirma ainda que a taxa de soroconversão nos voluntĂĄrios testados não é o Ășnico parâmetro para o estudo de uma vacina.
"Mesmo com uma boa resposta imunológica nos voluntĂĄrios nas fases 1 e 2, é só na fase 3 que podemos avaliar se a vacina estĂĄ conferindo proteção. Para chegarmos à essa conclusão, precisamos de um nĂșmero mĂnimo de infecções no grupo recebendo a vacina e no grupo placebo."
Como os ensaios clĂnicos são duplo-cego e randomizados, ou seja, nem os médicos nem os voluntĂĄrios sabem quem recebeu placebo e quem a dose contendo o imunizante, é preciso um nĂșmero de infecções mensurĂĄvel em um dos dois grupos para calcular a eficĂĄcia de uma vacina, e isso demanda tempo. "Particularmente, como cientista, quando vejo as empresas farmacĂȘuticas recomendarem e aprovarem o uso emergencial de uma vacina antes de terminar a fase 3, questiono a ética dessa empresa e o rigor cientĂfico dela." Seria possĂvel encerrar um ensaio antes, afirma ela, se os resultados fossem muito claros –por exemplo, se a maioria esmagadora de infecções por Covid-19 fosse no grupo dos que receberam placebo e não houvesse quase nenhuma infecção entre o grupo dos imunizados.
"Ainda assim, quando interrompemos uma fase 3 muito cedo, pegamos atalhos em relação à investigação de segurança da vacina."
O Brasil é um dos paĂses mais atrativos no momento para testar vacinas na fase 3 de ensaios clĂnicos, uma vez que a taxa de contĂĄgio do coronavĂrus continua elevada no paĂs.
A vacina da Sinovac recebeu a aprovação do governo chinĂȘs, no final do Ășltimo mĂȘs, para uso emergencial no paĂs em profissionais de saĂșde.
A empresa afirmou que 50 mil pessoas jĂĄ receberam o imunizante no paĂs e que a maioria (94,7%) não apresentou efeitos adversos, segundo representante da farmacĂȘutica. A maioria das reações que apareceram foi leve; não houve nenhuma reação severa.
Leung também critica as ações de governantes para tentar acelerar a aprovação de vacinas. Tais motivações, diz, podem aumentar a descrença da população em vacinação, uma das mais consolidadas e seguras formas de prevenção de doenças conhecidas. No entanto burlar etapas e acelerar os processos cientĂficos pode ser danoso.
Garrett faz coro a esse discurso, e afirma que a não ocorrĂȘncia de efeitos adversos graves indica uma segurança da vacina no nĂșmero de pessoas testadas. Mas efeitos adversos raros, que ocorrem em 1 por 100 mil por exemplo, só serão detectados depois da aprovação do imunizante, quando iniciada a vacinação em massa da população.
"O processo pode ser acelerado, como estĂĄ sendo feito para a vacina da Covid-19, mas não podemos pular etapas de segurança. Todos querem uma vacina o mais rĂĄpido possĂvel. Mas a aprovação precoce de uma vacina pode ser desastrosa para o controle da pandemia", finaliza.
Fonte: Banda B