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GOVERNAÇÃO, PUBLICIDADE E CANIBALISMO - Por Maria Cecília Pontes Carnaúba

Por Maria Cecília Pontes Carnaúba em 30/05/2020 às 12:45:29

Conta um mito pré-histórico que um ser divino, em forma humana, se deixou imolar pelos membros de sua tribo porque seu corpo guardava todas as sementes de plantas comestíveis, fonte de alimentação humana, e sua morte as faria brotar em especial raízes e árvores frutíferas. Depois deste sacrifício divino/humano, todos os membros da tribo deveriam comer sua carne, para garantir que estes brotos se disseminassem pelo mundo e passassem às gerações seguintes como garantia de abundância de alimento para preservação da vida. Foi o primeiro homicídio autorizado pela mitologia e é o fundamento do canibalismo que se seguiu: o homem come a carne humana para executar a tarefa divina de garantia de expansão do reino vegetal no mundo, para assegurar a perpetuação da existência humana.

O horror que o canibalismo causa aos olhos das civilizações modernas levou a utilização desta palavra também em sentido figurado para traduzir, com o mesmo impacto aterrorizante da ação física, as ações políticas de governação que subjugam e maltratam o homem ao longo da História. O uso neste sentido foi belissimamente registrado pelo Padre Antonio Vieira: "Homens, o que me desedifica de vós é que vós vos comeis uns aos outros e como não fora tão grande este mal as circunstâncias ainda o agravam pois se fossem os pequenos que comessem os grandes bastaria um único grande para mil pequenos, porém como são os grandes que comem os pequenos não bastam mil pequenos para um único grande". O padre não falava de grandeza espiritual falava em grandeza no sentido de violência do exercício do poder, que na maioria das vezes são grandezas opostas e inversamente proporcionais. Talvez, se ao longo dos séculos os espiritualmente grandes tivessem exercido o poder de governação penso que provavelmente a humanidade estivesse em situação de maior harmonia e igualde de condições existenciais. O Jesuíta insurgia-se contra o sofrimento humano causado pelo exercício arbitrário e egoísta do poder político que inflingia penosa sobrevivência à população enfraquecida pela falta de recursos intelectuais e econômicos para reagir, sobretudo porque o sigilo era a norma de funcionamento do Estado.

A advertência feita por este religioso, direcionou o sistema normativo posterior tanto que, para fortalecer a vinculação do uso dos poderes dos cargos públicos à concretização dos objetivos de Estado estabelecidos pelo artigo 3º da Constituição Federal, a saber construção de uma sociedade livre justa e solidária, promoção do desenvolvimento nacional e erradicação da pobreza, dentre outros, a Carta Constitucional instituiu o dever de publicidade como princípio transcendente a todas as ações estatais. É instrumento disponibilizado, aos cidadãos, para possibilitar sua análise sobre a eficiência do funcionamento dos governos e instituições e da devida proatividade entre as pessoas políticas da federação, União, estados e municípios, no cumprimento do dever de concretização dos objetivos estatais acima referidos. Esta é uma das razões pelas quais, na redação do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, os princípios da Publicidade e da eficiência administrativas são associados com a mesma força impositiva.

O dever de publicidade dos atos das autoridades públicas, foi uma das bandeiras do liberalismo, fundamentou o movimento constitucionalista no Século XIX, em Portugal e no Brasil, confiado na máxima de Bentham de que sem publicidade não há bem permanente e sob os auspícios da publicidade, não há mal durável. Ocorre que os agentes públicos não se desincumbem do dever de publicidade, dos atos de ofício, com a simples publicação destes no Diário Oficial, esta ação serve mais ao controle institucional do funcionamento do Estado. Para que a publicidade habilite o povo ao exercício do direito de cidadania no controle da atividade pública, que é o que se espera das repúblicas democráticas, é necessário que o Estado use a publicidade com o fim informativo de utilidade pública, que inclui o dever de prestação de contas, à população, sobre o uso do investimento que esta realiza, através do recolhimento de tributos. Maiormente porque o objetivo de recolhimento de tributos é angariar os recursos necessários para que os agentes públicos concretizem os objetivos de Estado estabelecidos pela Constituição da República, no mencionado artigo 3o.

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1 ELIADE, Mircea, Il Sacro e il Profano, Bollati Boringheri, Torino, 2018, p. 66/67.


A publicidade como veículo de prestação de contas à população se faz através de mensagens continuadas de âmbito panorâmico sobre atividades efetivadas pelas autoridades públicas, de modo claro, alcançável, para que qualquer cidadão possa ter uma visão sistêmica do funcionamento dos Poderes e instituições públicas. A divulgação de atos isolados desconectados do contexto em que se concretizam, na maioria das vezes estampando a imagem pessoal do agente publico, distorce a informação sobre a realidade concreta, não permite o conhecimento verdadeiro sobre o contexto e frustra a possibilidade de avaliação sobre a eficiência do funcionamento dos poderes públicos. Esse tipo de propaganda, em verdade dirige a opinião pública e pode, inclusive, servir como propaganda pessoal do agente político, o que não é permitido pelo sistema normativo nacional. A técnica de divulgação de fatos isolados mais oculta do que revela a realidade a que se refere, muitas vezes induz a população a pensar que os agente públicos agem com eficiência quando a verdade é exatamente o inverso. Divulgação de fatos isolados, descontextualizados das circunstâncias que o envolvem subverte o dever constitucional de publicidade e o direito do povo à informação.

Numa sociedade em que a qualidade da educação é irregular, a maioria do povo não tem acesso ao mínimo necessário para desenvolvimento de visão sistêmica, como é o caso de Alagoas, o dever de publicidade estatal exige requisitos específicos, a mensagem publicitária deve transmitir informação panorâmica real, honesta, estrutural e circunstancial das ações públicas de uma maneira que o maior número possível de cidadãos esteja apto e livre para formação de sua propiá opinião. Somente este comportamento público assegura o exercício do direito à cidadania, é a única maneira da publicidade funcionar como prestação de contas à população, em retribuição ao dever de recolhimento dos tributos.

Em fim, a publicidade é instrumento constitucional assegurado às instituições e ao povo para frenagem do canibalismo no sentido a que se refere o Padre Antônio Vieira, já que o canibalismo no sentido mitológico, de disseminação e brotação de sementes de vegetais para assegurar alimentos suficientes a todos os humanos, revelou-se absolutamente inadequado como atesta a realidade atual do mundo. É de esperar que o aperfeiçoamento da publicidade, para atrela-la à efetiva mostra do nível de eficiência das ações desenvolvidas pelos agentes públicos para concretização dos objetivos estatais, sirva de fato ao crescimento da democracia brasileira. A democracia somente se concretiza quando o exercício da cidadania conduz aos postos de comado do Estado seres humanos grandes espiritualmente, inteiramente movidos pela consciência humanitária, praticantes da verdade e da lealdade como condição de relacionamento humano. Esperancemos, o processo democrático está em curso.

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