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HADES, DEMÉTER E A REPRESENTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Por Maria Cecília Pontes Carnaúba em 23/01/2021 às 11:19:28

Cronos dividiu o Universo em três partes: ar, mares e mundo subterrâneo. As ofereceu a cada um de seus filhos, assim, Zeus tornou-se deus dos ares, Posseidon deus dos mares e Hades deus do mundo subterrâneo. Hades tinha o poder da invisibilidade e, pensa-se que por causa da falta de luz, possuía um coração impiedoso, era implacável no julgamento das almas dos mortos, e cuidava das riquezas minerais do universo. Vivia muito solitário. De seu palácio escuro, assistia Deméter lançar sementes sobre a terra e espalhar amor na superfície para fazê-las frutificar abundantemente, era a deusa da semeadura e da colheita. Sua filha, Core, colhia as lindas flores nascidas do valoroso trabalho da mãe e com elas enfeitava o templo de adoração que lhes era dedicado, cuidava das abelhas e do mel. Enfeitar e adoçar a vida era sua atividade matinal diária.

Core era lindíssima, Venus a invejava. Era uma doce criatura cuja delicadeza dos modos e bondade para com os seres do mundo do ar orgulhavam Deméter. Esta deusa descansava exatamente no horário em que Core colhia as flores, gostava de observá-la, isto enchia seu coração de alegria, a recuperava do dedicado trabalho de fertilização, e fortalecia seu propósito de gerar abundância. A beleza de Core chamou a atenção de Hades, que passou observá-la todas as manhãs e decidiu que a queria para si, como esposa, para tirá-lo das garras cortantes da solidão. Atrelou os cavalos à carruagem e subiu à superfície, a luz do Sol o perturbava, escondeu-se entre rochas à sombra de uma árvore. Ao avistar Core completamente desprevenida, o deus, súbita e traiçoeiramente, a arrasta para sua carruagem, abre uma profunda fenda no chão e nela mergulha levando a moça, que se debatia e gritava por socorro.

Sua ação foi tão brusca e surpreendente que Deméter não conseguiu ajudar a filha. O rapto a acometeu de tristeza profunda, pois além de saber que Core havia sido subjugada pelo temido Deus do mundo dos mortos, insensível como as pedras e cortante como os metais, sabia que a beleza, bondade e o encanto da filha não resistiriam à falta de luz. A ação de Hades interrompera o movimento circular de dar e receber amor, generosidade e beleza. Era este ciclo diário que habilitava Deméter a prover a fatura na superfície da terra. À doação de amor realizada por Deméter através da semeadura e colheita, correspondia o prazer de contemplação da abundância resultante de sua atividade, bem como o orgulho de observar o belíssimo caráter da filha e sua dedicação ao embelezamento da vida. Estes momentos eram entendidos, pela deusa, como retorno do bem por ela praticado. Violado este curso de doação e recebimento, ciclo de amor, generosidade e beleza, Deméter tornou-se incapaz de prover a fartura na superfície, o desespero a impedia de plantar, cultivar e colher. A escassez instalou-se no mundo e com ela a fome, a tristeza, o medo e revolta. A vida depende da presença real do amor.

Zeus, irmão de Hades e Deméter[i], interveio pois não convinha ao mundo a devastação da vida. Promoveu um acordo entre os dois deuses e resultou que Core passaria um quarto do ano com Hades, no mundo subterrâneo, e três quartos na superfície com Deméter. Assim, quando Core sobe à superfície, terminado o trimestre subterrâneo, o mundo do ar se enche de flores, canto dos pássaros e as abelhas enchem os favos de mel. No trimestre seguinte, os frutos eclodem em abundância, a vida se multiplica, e no trimestre que precede sua volta para Hades, a terra perde aos poucos a doçura e a vivacidade, as folhas amarelam e caem, pois Deméter se entristece com a proximidade da ausência da filha. Por essa razão, a superfície da Terra passou a viver ciclicamente quatro estações: primavera, verão, outono e inverno.

Deméter estava certa, a falta de luz transforma Core em Proserpina, criatura bela mas sombria e sem domínio de sua própria curiosidade, somente a Luz da superfície e a fluidez do ar restauram sua essência e a transmutam em Core. Entretanto, a essência de Core é o amor, a bondade, o embelezamento e adoçamento da vida, assim, ela aprendeu a amar Hades e com ele teve uma filha, Macária[ii], deusa da boa morte. Apesar de sua natureza voltada ao favorecimento da vida, da beleza e da doçura, Core não consegui mudar a natureza implacável de Hades, personalidade afeita ao julgamento e à dedicação ao mundo da morte. Os esposos tinham naturezas muito diversas, mas através de Macária, Core acrescentou, à morte, sua essência bondosa. O mais importante é que Core fez brotar no coração de Hades um amor profundo, por isso, acredita-se que um dia, o mundo subterrâneo se encherá de Luz.

A diversidade é inerente à natureza humana, para evitar que uns se sobreponham a outros através da violência, traição e ocultação de interesses petrificados, vaidade e pequenez valorativa, as normas constitucionais fixam limites, prioridades e, sobretudo, estabelecem o dever de conciliação dos interesses parciais, segmentados, com o objetivo estatal da promoção do bem de todos. Este objetivo é expresso pelo artigo 3º da Constituição brasileira de 1988 e, dentre outras normas, se densifica através do pluralismo político que fundamenta o Estado brasileiro, na forma do artigo 1º da Constituição. O pluralismo político auxilia a harmonização das diversidades humanas, entretanto, somente serve ao viço democrático se o trato público de interesses isolados, de parcelas da sociedade, como finalidade isolada, findar no instante da assunção dos agentes públicos aos respectivos cargos, em especial a diplomação dos eleitos. A partir deste instante os agentes públicos deixam de representar parcela do povo, inclusive a que os elegeu, e assumem o dever constitucional de representar a todos, cooperar para edificação do bem de todos.

Os cargos públicos têm como única finalidade a proatividade para concretizar os objetivos de Estado. Interesses específicos expressos por plataformas partidárias somente são legítimos como interesses secundários, submissos à harmonização com o bem-estar de todos. A maturidade e realidade democrática se materializam com a superação do pensamento Rousseauniano de que a vontade geral se opõe ao interesse individual. Este pensamento servia unicamente às democracias diretas, em que não havia limites para as decisões das assembleias. Estas eram arbitrárias e desde que referendadas pela maioria, podiam, inclusive, violar a dignidade humana. O funcionamento democrático mostrou-se inconciliável com este pensamento e o sistema de representação política revelou-se uma evolução para garantia de limites mínimos, impostos ao poder público, estabelecidos pela normatividade Constitucional.

Através do sistema representativo os voluntarismos legislativos são contidos pelas normas constitucionais, mormente pelas que estabelecem os fundamentos e objetivos de Estado. Tais normas, determinam que os agentes públicos se desvistam dos interesses parciais que possam tê-los influenciado a buscarem os respectivos cargos, e assumam o compromisso único com a produção do bem de todos, que é função de Estado. Os interesses parciais precisam ser considerados nas decisões finais mas não são um fim em si mesmos, a finalidade absoluta é a promoção do bem estar de todos[iii]. Postura diversa conduz a atritos desagregadores dos agentes públicos e violam o compromisso, respectivo, de cooperar para a realização dos fundamentos e objetivos de Estado. A Constituição não tutela atividades de priorização de interesses de parte da população em detrimento do dever de promoção do bem de todos. Todas as ações afirmativas vinculam-se ao balanceamento de seu potencial cooperativo para a concretização do bem-estar de todos. As condutas e ações, de agentes públicos, de priorização de interesses segmentados, como valores absolutos, é inconstitucional por ofensa aos objetivos do Estado Brasileiro, desvirtuam a finalidade de existência dos cargos públicos no Estado democrático.

Tal desvirtuamento lembra o domínio de Hades, com seu coração pétreo, sua dedicação aos metais, e aos julgamentos implacáveis da alma humana, cuja falta de piedade se revelou mitologicamente oposta à vida e à abundância na Terra. A prioridade cega à satisfação dos interesses individuais é irrazoável porque se todos agirem sem piedade todos pereceremos[iv]. Numa democracia, os interesses motores dos agentes públicos precisam ser claramente voltados ao benefício de todos, não podem estar encobertos pela escuridão do mundo subterrâneo, que garante a Hades o poder da invisibilidade. Interesses ocultos pela escuridão, em geral, se opõem ao bem-estar de todos, atraiçoam os cidadãos e, tal como foi feito à Core, os aprisiona violentamente ao jugo de interesses menores.

A democracia e o sistema representativo somente vicejam quando os interesses trabalhados pelos agentes públicos, piedosa e maleavelmente, cooperam para o bem estar de todos, e são postos à claridade, para que a Luz da superfície os vivifique e faça prosperar. Parece que somente esta disposição interna dos agentes públicos é capaz de dar força aos valores democráticos e nutrir a prosperidade humana. A representação política nas democracias somente é real se cada agente público tiver como foco de desempenho de suas funções o zelo pela promoção do bem de todos.

Cuidemos para que nossas ações orgulhem Deméter, e possam dar-lhe gosto à contemplação, assim ela estará reabastecida de força vital, generosidade, e beleza, necessárias para sentir-se apta à semeadura e colheita de doces e inesgotáveis frutos no mundo do ar. Se assim for, seremos prósperos, poderemos nos acompanhar e apreciar alegremente o caráter uns dos outros, estaremos livres da solidão, a mesma que atormentava Hades. Se até seu coração pétreo e sombrio se encheu de amor por Core, nós que habitamos a superfície, o mundo do ar, temos mais chances de aprender a amar a humanidade para alimentar a vida e, por isso, gerir o Estado de um modo favorável à abundância e prosperidade de todos.

A Luz do Amor nos ilumine!



[i] Vasques, Marciano, O Voo de Pégaso e Outros Mitos Gregos, São Paulo, Volta e Meia, 2012, p.12.

[iii] URBINATI, Nadia, Democrazzia Rapreentativa, Roma, Donzelli Editore, 2010, p.43.

[iv] URBINATI, Nadia, Democrazzia Rapreentativa, Roma, Donzelli Editore, 2010, p.50.

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