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OS FRUTOS DE OURO ENTRE A CONSTITUIÇÃO E OS HOSPITAIS DE CAMPANHA - Por Cecília Carnaúba

Por Cecília Carnaúba em 06/07/2020 às 09:49:35

Era uma vez uma frondosa árvore encantada, seus frutos eram de ouro e suas folhas miraculosas. Existia em um mundo muito distante, somente os deuses, semideuses e heróis conseguiam desfrutá-la. Os seres humanos que se dispusessem a colher seus frutos teriam que lutar bravamente com os monstros, dragões e serpentes que a circundavam mas, se vencessem conseguiriam alcançar os frutos e tocar sua folhas, isto os transformaria imediatamente em semideuses, viveriam uma realidade sobre-humana, tornar-se-iam eternamente jovens, invencíveis e onipotentes. Assim pensavam os povos mesopotâmicos.[i] O Estado vive uma circunstância semelhante a desta árvore. Se forem cumpridos seus objetivos, que são os frutos de ouro do Estado, a vida de todos os cidadãos muda para uma condição em que o crescimento individual e a auto realização são possíveis, o bem estar social pode se tornar realidade, é o milagre das folhas. Tal como na estoria da árvore, para que os objetivos de Estado se cumpram, é preciso que os agentes públicos vençam os monstros da vaidade, as serpentes do egoísmo e os dragões da ganância que circundam a concretização destes objetivos. O sistema jurídico do Estado, cujas normas fundamentais formam a Constituição da República, são os instrumentos para ajudar os agentes públicos a vencerem a luta e concretizarem tais objetivos.

No caso dos Estados de Direito, assim nominados porque a submissão à Lei é obrigatória para todos, a Constituição impõe limites materiais e formais, às ações dos agentes públicos, como forma de emprestar maior segurança, ao funcionamento Estatal, para alcance dos respectivos objetivos.Tais limites se expressam através da compartimentação de poderes, competências e funções bem como dos princípios que regem a Administração Pública, dentre eles: moralidade, legalidade e eficiência. O objetivo desta organização é reduzir o risco de arbitrariedades individuais no exercício das atividades públicas, mitigar os voluntarismos prejudiciais ao bem comum, para facilitar a vitória dos agentes públicos sobre as monstruosas entidades que circundam os frutos de ouro, a concretização dos objetivos de Estado.

Os três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, tem competência para por em marcha uma parcela do poder decisional do Estado, através da liberdade de escolhas políticas, que se circunscreve aos ditames da legislação vigente. É dizer: as decisões políticas, dos três Poderes, somente são válidas se estão permitidas pelas normas jurídicas e atendem aos princípios reitores da Administração Pública. Este é o conteúdo normativo do princípio da legalidade que se acha explícito no artigo 37 da Constituição da República. O Poder Executivo exerce sua competência, predominantemente, através de decisões e ações administrativas.

O princípio de legalidade, associado ao princípio de supremacia das normas constitucionais, garante a eficácia da partição constitucional de competência dos Poderes de Estado e da vinculação de todos ao sistema normativo positivado. Estes recursos tendem a impedir a concentração de atividade decisória do Estado em um poder único e centralizado pois a concentração de poder fortalece os monstros da vaidade, egoísmo e ganância. O princípio de legalidade tem duas faces, uma formal e outra material. Formalmente, a legalidade é atendida quando a decisão política obedece aos limites de competência da entidade e do agente públicos que a protagonizam e, simultaneamente, se concretiza através do procedimento adequado, em que se obedecem aos deveres de publicidade, garantia de contraditório etc. Para atender à face material do princípio da legalidade é necessário que o conteúdo da decisão política obedeça aos princípios reitores da Administração Pública de moralidade e eficiência e que efetivamente sirva à concretização do bem comum. O conteúdo da decisão administrativa deve realizar a parcela de contribuição, que lhe compete, para concretização de todos os objetivos de Estado sobretudo, a realização do bem de todos.

Como todas as ações públicas estão vinculadas à concretização dos objetivos do Estado, elas têm que ser necessariamente eficientes para alcançar este resultado. A eficiência é princípio transcendente ao dever de concretização dos objetivos de Estado, inscritos no artigo 3º, da Constituição Federal, e vincula todas as decisões e ações estatais. Eficiência se caracteriza pelo alcance do fim a que se propõe, a decisão ou ação pública, utilizando-se o melhor custo/benefício. Apesar de sua transcendência sobre os objetivos de Estado, a Constituição reforçou o dever de eficiência especificando-o como princípio reitor da Administração Pública, no artigo 37.

O princípio de eficiência, é especificação do conteúdo material do princípio de legalidade e concretiza o dito antigo de que o reino não existe para o rei, mas o rei para o reino[ii]. Se houver má fé na violação ao princípio da eficiência, viola-se simultaneamente o princípio da legalidade e da moralidade pública, este igualmente inserto no artigo 37 referido. É o caso da ação de agente público que pretenda apresentar uma roupagem de regularidade jurídica para ocultar a real finalidade do ato: auferir benefícios privados com os recursos públicos, dando vitória aos monstros que cercam a concretização dos objetivos de Estado, tal como cercam a árvore miralulosa. Esta espécie de fraude ao compromisso de concretização dos objetivos de Estado, os frutos de ouro, é aferível por diversos indícios, especialmente a violação aos princípios de legalidade, eficiência e economicidade, associados a inadequações grosseiras e evitáveis pelo simples desenvolvimento do dever de cuidado e planejamento exigidos de quem ocupa cargos públicos.

Tal como na vida privada "um ato depende de muitos princípios"[iii], no dizer de Tomás de Aquino, a legalidade dos atos e decisões públicas dependem do atendimento de muitos princípios. O Santo se referia à caridade, à correção fraterna e à esperança como valores inspiradores da ação humana. O Estado não pode contar com esta retidão de caráter espontânea, precisa vincular o agir público à concretização dos objetivos constitucionalmente estabelecidos e medir essa vinculação através da verificação de atendimento de princípios e sub princípios, mormente os de moralidade, legalidade, eficiência e zelo pelo erário.

Para exemplificar o conteúdo exposto neste escrito, suponha-se a construção de um hospital de campanha para atendimento de pessoas vitimadas pela atual pandemia de Corona Virus. Esses hospitais somente devem ser instalados se a rede permanente de saúde não dispuser de leitos suficientes nem puder ser ampliada para cumprir esta finalidade. É assim porque custam, ao governo federal, R$ 43.000,00 por leito de ventilação não invasiva, valor pago em parcela única[iv]. Em virtude deste altíssimo custo, tais hospitais somente devem ser montados depois de esgotadas todas as ações de ampliação e adaptação da rede pública permanente de atendimento à saúde, e da contratação de leitos em unidades de saúde da rede privada, que são formas regulares de atendimento à população e são muito mais baratas. A contratação, pelo Estado-membro, de leitos em unidades de saúde da rede privada, para atendimento de pacientes acometidos pela Covid 19, é igualmente custeada pela União, e custa praticamente a metade do valor necessário para o funcionamento dos mesmos leitos num hospital de campanha[v].

No caso de pandemias, o planejamento das ações para o respectivo combate é fundamental para garantir o melhor custo/benefício para a população e preservar as forças do erário, em face dos inúmeros gastos necessários para socorro à população, inclusive assistenciais. Exige-se, dos agentes públicos, cuidado redobrado sobre economicidade e eficiência de suas decisões e ações como parcela de contribuição para a concretização dos fins do Estado, nomeadamente a promoção do bem de todos.

Se, eventualmente, algum hospital de campanha se mantiver, durante todo período de seu funcionamento, com uma taxa média de ocupação de leitos clínicos inferior a 23% e se, durante este mesmo período, a rede pública permanente de saúde se mantiver com leitos clínicos ociosos em número quatro vezes superior à ocupação do hospital de campanha e, mesmo nos dias de maior demanda, a rede pública apresentar capacidade de absorção de pacientes em número duas vezes superior à ocupação do hospital de campanha, indiscutivelmente, este é absolutamente desnecessário. Uma realidade nos moldes acima descritos atesta que rede permanente de atendimento à saúde pública tem capacidade de satisfazer, com folga, à demanda gerada pela pandemia e o hospital temporário não deveria ter sido instalado, inclusive porque esta margem de segurança para socorro da população se amplia ainda mais se forem consideradas as contratações de leitos da rede privada.

A instalação de hospitais de campanha, pelos Estados-membro, desnecessariamente, materializa ilegalidade da decisão política de sua edificação, por violação ao princípio de eficiência e de economicidade. Além disto, gera um prejuízo ao erário, da União, decorrente de erro grosseiro de falta de planejamento administrativo e de cuidado com os recursos públicos. Na situação de pandemia atual, a gravidade deste ato ilegal gera uma violação, ainda mais grave, do dever de cooperação para construção do bem de todos, porque os recursos desperdiçados farão falta em áreas onde são indispensáveis ao socorro da população. A ação ilegal de governos de Estados-membro, nestas circunstâncias, além de causar prejuízo financeiro, reduz injustamente a capacidade, da União, de prestar socorro à população.

Se fosse real a situação hipotética acima descrita, seria mesmo um contrassenso que a construção de um hospital destinado a salvar vidas, servisse justamente para o seu contrário, reduzir a capacidade, do Estado, de auxílio à preservação da vida e da dignidade humanas. Em circunstâncias assim, a decisão e a ação de instalação de tais hospitais de campanha teria favorecido aos monstros, dragões e serpentes que circundam a árvore dos milagres, teriam sido responsáveis pela devora do ser humano. O mundo teria perdido a oportunidade de ver nascerem novos heróis e todo o aparato normativo constitucional não teria sido suficiente para garantir a realização dos objetivos do Estado. Os frutos de ouro continuariam pendurados na árvore da vida à espera de quem os colhesse.



[i] ELIADE, Mircea, Il Sacro e il Profano, Bollati Boringheri, Torino, 2018, p.996

[ii] BANOND, Isabel, História das Ideias Políticas, Cascais, Princípia Editora, 2014, p.54.

[iii] AQUINO, Tomás de, A Caridade, A Correção Fraterna e a Esperança, São Paulo, Eclesiae, trad. Paulo Faitanin e Bernardo Veiga, 2013, p.63.

[v] Portaria do Ministério da Saúde nº 561/20, disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-561-de-26-de-marco-de-2020-249862049

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