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A QUARENTENA E O DIREITO DE ENJEITAR - por Maria Cecília Pontes Carnaúba

Por Maria Cecília Pontes Carnaúba em 20/05/2020 às 17:50:51

O direito de enjeitar existiu na antiguidade e perdurou até 374 d.C.1, fazia parte do pátria protestas, e somente poderia ser contestado em favor do Estado, jamais em favor do indivíduo. Instruiu, posteriormente, a ideia de governante como pai bondoso capaz de ver além do limite humano, por isto, autorizado a decidir e impor sua decisão ao povo, mesmo que elas lhe fossem dolorosas, supliciantes. A sujeição das pessoas à tamanha autoridade advinha da crença na divindade e bondade do poder governamental. A partir das ideias iluministas e do fortalecimento do postulado de igualdade humana, com a suposição de que todos são capazes de pensar e formar juízo de valor sobre a realidade, ruiu a sustentação da concepção de superioridade divinal do governante. Seguiu-se a estruturação do constitucionalismo que impôs, ao agir público, conteúdos, ritos e formas para permitir o controle popular e institucionalizado do exercício do poder, o constitucionalismo brasileiro normatizou, dentre tantos outros deveres públicos, o dever de publicidade dos atos públicos e o direito/dever de informação do qual a população é titular.

No caso da atividade estatal necessária à superação da atual pandemia de corona vírus, a informação fundamental que a todos deveria ser disponibilizada, por imperativo constitucional, de forma clara, objetiva e ostensiva, é o plano de ação governamental, em todos os seus detalhes, com a indicação das providências e de sua utilidade bem como de sua adequação às necessidades específicas da população, considerando-se sua diversidade local. Sem que a população conheça o inteiro teor deste plano de ação, acompanhe a respectiva estratégia de realização e os respectivos resultados concretos, resta acreditar na capacidade divinal dos governantes de ver além e acima dos demais seres humanos, além de confiar cegamente na extrema bondade de seu coração paternal. Este não é o modelo de funcionamento estatal escolhido pela Constituição da República Federativa do Brasil, cuja supremacia normativa não se suspende em razão de decretos de calamidade Pública editados pelos estados membros, nomeadamente, permanecem vinculantes os princípios de legalidade, moralidade e eficiência administrativas, bem como, os direitos à informação, ao trabalho e à autodeterminação.

Decretos de calamidade pública instauram situação de excepcionalidade e permitem restrições aos direitos individuais na estrita medida de sua necessidade e utilidade ao propósito a que se destina: segurança da população, neste tempo de pandemia. Assim, somente são admissíveis quando se acompanham de um programa de ação claro e específico, preferencialmente avalizado por conselhos de autoridades médicas e sanitárias, bem como da prestação de contas, financeira e funcional, do seu conteúdo, de modo constante e simultâneo com sua realização. Fora do contexto do plano de ação, público e justificante do porque da escolha de uma providência restritiva de direitos, específica, em lugar de outra menos gravosa, a imposição de limitações aos cidadãos, isoladas e uniformes, para uma população tão desigual como a brasileira, mormente a nordestina, enjeita as necessidades próprias de camadas diversas da população, enjeita direitos constitucionais reduzindo-os a zero, como direito de locomoção, de autodeterminação e direito ao trabalho sem vinculação com o princípio de eficiência administrativa. A falta de justificação razoável e clara, que fundamente a adoção de medidas administrativas, e ateste o esforço efetivamente realizado pelo administrador para evitar a lesividade social e individual das medidas, a discricionariedade administrativa se transforma em arbitrariedade, e reconduz o Estado na trilha absolutista e muitas vezes revela uma tendência totalitária.

Se o Brasil é uma Federação, impõe-se a coexistência da normatividade nacional com as estaduais e municipais, de modo que as unidades federadas não têm autorização do sistema jurídico para negar o acesso, da população, a recursos e insumos nacionalmente reconhecidos como legais, nomeadamente fármacos aprovados para uso nacional pela Anvisa. Os médicos têm garantia legal de liberdade de exercício de seu ofício, inclusivamente para prescrever e ministrar medicamentos que entendam necessários e adequados à preservação da vida de seus pacientes, limitados unicamente à permissão de uso do fármaco no território nacional. De outra face, a população tem o direito de acesso à medicação que lhes foi prescrita pelo médico, seja através da compra direta seja através da disponibilização pela farmácia pública ou rede de atendimento de saúde, a depender das condições sócio/econômicas de cada um. Por estas razões, dentro do conjunto de atribuições administrativas que se impõe aos gestores públicos, neste processo de superação da pandemia de corona vírus, aos estados membros da federação impõe-se o dever de clarificar as providências adotadas para disponibilização, à população, das medicações, que estão sendo prescritas pelos médicos no combate ao vírus, e incumbe-lhes o ônus de recriar-se nesta tarefa de garantia do acesso às medicações referidas, caso o médico e paciente decidam, em conjunto, pelo seu uso no momento concreto. A omissão do dever de disponibilização da medicação ou o retardo no respectivo atendimento, no mínimo, obstrui o livre exercício da medicina, viola o princípio constitucional de eficiência administrativa e o compromisso funcional de atendimento do interesse público. A disponibilização dos medicamentos usados pelos médicos para combate ao vírus é um dos itens que inafastavelmente devem constar do plano de ação para segurança da população e para superação da pandemia.

Sem informação sobre o conteúdo dos planos de trabalho e da respectiva prestação de contas de sua realização de forma clara e aferível por toda população, viola-se a supremacia constitucional especificamente os deveres funcionais de eficiência pública e informação, ademais, sem informação adequada sobre os referidos planos de superação da pandemia os decretos de imposição de medidas restritivas dos direitos fundamentais tendem a reviver uma realidade antiga: a repristinação do direito de enjeitar, desta feita, atribuído à Administração pública. Enjeita-se a tudo e a todos, que se opõem aos referidos decretos, em particular, à população mais carente que clama por providências diferenciadas de contenção da pandemia e adequadas à dignidade humana, em face de sua realidade sócio/econômica; se a medicação usada pelos médicos, para combate ao vírus, não está disponível para uso da população local, enjeita-se o direito destes profissionais ao livre exercício da medicina e o direito individual de autodeterminação ao tratamento de saúde que lhe foi prescrito; enjeita-se o dever de submissão estatal à normatividade constitucional de eficiência administrativa e de informação à população, de modo simples que lhe permita a compreensão. O pior de tudo, não se apresenta solução capaz de socorrer às criaturas humanas em sua necessidade de saúde, sobrevivência e dignidade, porque na maioria das vezes o sistema de saúde já estava tão fragilizado, antes da pandemia, que não apresentava condições mínimas de atendimento da nova demanda imposta pela superveniência de uma pandemia. Ademais, ditos decretos, se trazem decisões de recolhimento domiciliar uniforme para uma população extremamente diversa, sem modulações ou alternativas, obstruem o princípio de justiça, e de igualdade humana, que pressupõe o trato desigual para circunstâncias desiguais.

Em fim, os decretos estaduais de restrição de direitos como forma de contenção da expansão da pandemia de corona vírus produziram um agigantamento do poder público com o consequente apequenamento dos direitos fundamentais e das liberdades individuais, que não se fizeram acompanhar pela contrapartida estatal mínima, a prestação de contas, à população, do plano de superação da pandemia, e da constante atualização de seu andamento e resultados obtidos. Restabeleceram uma exigência, à população, de crença cega nos poderes divinamente superiores de visibilidade, previsibilidade e bondade dos governantes que não se coaduna com a supremacia constitucional da Carta de 1988 e com o modelo democrático republicano do Estado brasileiro. Será que se alimenta um processo arbitrário de funcionamento do poder público aonde o direito estatal de enjeitar não poderá ser contestado em favor do indivíduo? Ou será que o desconforto da população com a falta de exposição clara do plano de ação local de superação da pandemia encontrará eco para aperfeiçoamento do exercício do poder público, fortalecimento do ideal democrático e de real atendimento das necessidades da população local, em sua diversidade, para apoiar, a todos, efetivamente? Tomara que todo este processo resulte no reposicionamento da verdade e lealdade pública como valores fundantes da Administração pública.

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